domingo, 8 de agosto de 2010

Todos Estão Céticos

Para os céticos as tardes de domingo são apenas tardes de domingo. Para os que crêem na vida, as tardes, principalmente de domingo, são capsulas de vida.

Era só mais uma tarde de domingo – tão banal quanto às demais. Clarice deixou sua casa a fim de fazer algumas compras de urgência na mercearia mais próxima, uma vez que iria receber em sua casa, naquela mesma noite, alguns velhos amigos. Era uma mulher como outra qualquer, e levava uma vida morna. Tão morna quanto aquela tarde de julho – incomum.
Antes de deixar sua casa Clarice fez tudo como de costume, ligou para o marido e perguntou se queria algo, o mesmo fez com os filhos. Parou diante do espelho, arrumou os botões do casaco e colocou uma tiara de cabelo. Mas sentiu algo estranho nesse momento, sentiu o espelho fitar-lhe. Arrepiou-se. Cética, ignorou e deixou-se levar pelo habito. Saiu da casa, trancou a porta e escondeu a chave num vaso de samambaia, caso o filho mais velho chegasse. De tão acomodada que era nunca fizera questão de fazer outra cópia da chave – pasmem!
Clarice seguiu, respondeu aos “boas tardes” das vizinhas com o mesmo sorriso amarelo de sempre. As vizinhas nada notaram de diferente em Clarice e nem na tarde que lhes gritava. Apenas reclamavam da sujeira que o vento seco arrastava pelas calçadas. Foi quando Clarice, num golpe brusco, ergueu os olhos que acompanhavam o chão e avistou o Sol. Pôr-do-sol. Uma lagrima escorreu-lhe na face. Sentiu a brisa seca da tarde tocar-lhe o rosto úmido. O Sol fitou-lhe, tal como o espelho. O Sol a hipnotizara. Enfim, sentiu-se viva.
O bloco de anotações que levava consigo caiu ao chão. Clarice escutou um estrondo digno de uma explosão. Foi apenas o bloco caindo sobre as flores do ipê e sendo levado pelo vento – o mesmo que as vizinhas reclamavam, logo, as flores do ipê eram a sujeira, céticas! O momento da explosão foi como se Clarice, ali, estivesse abrindo mão das coisas físicas. Transcendeu. Embora estivesse escutado tamanho ruído, seguiu seu caminho, hipnotizada pelo sol.
Como toda mulher madura e com suas preocupações, Clarice ainda pensava na família. Pensava também no que iria fazer para o jantar naquela noite.
Foi quando o Sol fitou-lhe novamente, Clarice parou onde estava. As vizinhas tentaram evitar, gritaram e gritaram. Clarice estava parada no semáforo, no meio da rua, perto já da mercearia. Ali sentiu-se envolvida pela tarde morna e tirou seu casaco. Sentiu-se parte do Sol, parte do Universo. Sentiu-se alma. Um motorista – cético – que não escutou as buzinas, nem os freios, nem os gritos da vizinhança, passou pela mulher parada no meio da rua. Clarice sentiu-se brisa.

9 comentários:

  1. eu gostaria de esquecer de tudo...e virar brisa...

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  2. Não é possível que só eu tenha visto isso, Tothy. Você é muito... foda! Você tem 16 e é um poeta PRONTO (Eu tenho 15, mas nem chego a ser poeta).

    Você é tocantemente sensível, como se nem fosse por você, como as Clarices ( a sua e a Lispector). Sei lá, odeio fazer isso, mas será que você não poderia dar uma olhada no meu blog? Eu estou realmente encantado com as tuas letras e quero que você leia alguma coisa minha.

    (Não a sério, a tua poesia, mesmo fora dos poemas, é inquietante!)

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  3. da primeira vez que li, confesso que achei meio pejorativo... me vi nos céticos, até me senti mal.


    mas depois de hoje... o texto tomou um significado MUITO melhor pra mim! brigada, Paulo!

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  4. Que foda, brother! Muito bom mesmo.
    Imaginei o final antes de chegar, mas ele foi bom mesmo sendo esperado. Parabéns pelo blog.

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  5. Obrigado Livia.
    Obrigado Mari, que bom que fez sentido pra você!
    Obrigado Luiz, você que é um poeta. E pronto.
    Obrigado Leandro... que bom que gostou do conto, mesmo prevendo o desfexo.
    Fico feliz quando comentam, é o melhor feedback.
    tô feliz (:

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  6. a hora da estrela!
    bem legal...

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  7. Que honra! Amo esse livro de Clarice (:

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